Disparidades Socioeconômicas de Gênero
- Sergio Marcondes
- 8 de mai.
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Artigo: Disparidades Socioeconômicas de Gênero
Liane Freire, Sergio Marcondes e Guilherme Andrade
A Lacuna Financeira de Gênero
Compreendemos o termo “Lacuna Financeira de Gênero” enquanto a síntese das desigualdades profundas no acesso aos recursos financeiros entre homens e mulheres, materializando-se em diversas dimensões socioeconômicas. Essas desigualdades não são apenas um reflexo de dinâmicas sociais históricas, mas também uma falha de mercado que compromete a eficiência do sistema financeiro.A Lacuna Financeira de Gênero abrange disparidades em remuneração, riqueza, representatividade em posições de liderança e acesso ao capital, reconhecendo a centralidade do acesso a capital para mulheres como um eixo de transformação socioeconômica com efeitos abrangentes sobre as condições de vida das mulheres e da sociedade como um todo. A seguir exploramos um panorama de cada uma das dimensões do conceito.
Lacuna de Remuneração:
Globalmente, as mulheres ganham, em média, apenas 77% do salário dos homens por trabalho equivalente, segundo a Organização Internacional do Trabalho [1]. Além disso, dados da ONU Mulheres indicam que apenas 49% das mulheres estão em empregos remunerados, em contraste com 75% dos homens [2]. Essa lacuna reduz significativamente a capacidade econômica das mulheres, limitando sua independência financeira e acesso a crédito. No mercado de trabalho brasileiro, as desigualdades de renda entre homens e mulheres, bem como entre brancos e negros, são evidentes. Em 2022, os homens brancos tinham rendimento médio de R$ 3.793, enquanto as mulheres brancas ganhavam R$ 2.858, os homens negros/pardos R$ 2.230, e as mulheres negras/pardas R$ 1.781. Em média, os homens recebiam 27% mais que as mulheres, e brancos ganhavam 64,2% a mais que negros/pardos. Homens brancos ganhavam 113% a mais que mulheres negras [3].No mesmo ano, entre as ocupações, as desigualdades eram marcantes: mulheres recebiam63,3% dos rendimentos masculinos em profissões científicas e intelectuais e 73,9% em posições de diretoria [3].
Lacuna de Patrimônio:
As mulheres possuem menos patrimônio em diversas formas, como imóveis, poupança, bens de consumo duráveis, investimentos e ativos financeiros, o que perpetua um ciclo de exclusão econômica ao limitar sua capacidade de gerar renda passiva e dificultar o acesso a crédito e financiamento devido à falta de garantias. Segundo o Banco Mundial, em muitos países, menos de 20% das mulheres possuem terras [4]. Além disso, elas detêm, em média,40% menos em economias e investimentos em comparação aos homens, restringindo assim seu acesso a oportunidades econômicas mais amplas [5].Essa lacuna de patrimônio é ainda mais pronunciada quando analisada sob a ótica interseccional, afetando de forma desproporcional as mulheres negras. No Brasil, dados daPNAD Contínua 2019, do IBGE, indicam que 73,1% das pessoas brancas e 71,1% das pessoas pretas residiam em domicílios próprios. Entre essas populações, 19,7% das pessoas pretas viviam em imóveis sem documentação da propriedade, contrastando com10,1% entre as pessoas brancas. Essa maior insegurança de posse reflete as barreiras adicionais enfrentadas por mulheres negras, agravando as desigualdades patrimoniais e limitando ainda mais suas possibilidades de acesso ao sistema financeiro formal e à acumulação de riqueza [6].
Lacuna na Ocupação de Posições de Poder:
A presença feminina em posições de liderança cresceu significativamente nos últimos anos, mas permanece distante da paridade de gênero. Segundo o relatório "Women in Business2024" da Grant Thornton, 33,5% das posições de alta gestão em empresas de médio porte ao redor do mundo são ocupadas por mulheres [7]. Já nos parlamentos, as mulheres ocupavam, em 2023, 26,5% dos assentos nas câmaras baixas ou únicas a nível mundial [8].Esses dados evidenciam a necessidade de esforços contínuos para eliminar barreiras estruturais e culturais que limitam o avanço feminino em cargos de liderança e na política.Disparidades de gênero e raça também são marcantes em cargos de liderança. Em 2021, pessoas pretas e pardas ocupavam 29,5% dos cargos gerenciais, enquanto 69% eram ocupados por pessoas brancas. Na faixa de maior rendimento, apenas 14,6% das pessoas eram pretas ou pardas, frente a 84,4% de pessoas brancas [8].As mulheres, em 2022, ocupavam 39,3% dos cargos de liderança, com maior concentração em setores como Educação (69,4%) e Saúde (70%), mas apenas 31% em áreas industriais[3]. No setor privado, apenas 7% das presidências industriais eram ocupadas por mulheres, majoritariamente brancas (75,5%) [9].
Lacuna no Acesso a Capital:
A dificuldade no acesso a capital é marcada por números reveladores. A ONU Mulheres estima que mulheres empresárias enfrentam um déficit de financiamento de US$ 1,7 trilhão globalmente [10]. Além disso, a Global Entrepreneurship Monitor reporta que, em muitas economias, mulheres têm menos probabilidade do que homens de acessar financiamento externo para iniciar ou crescer seus negócios, recebendo 40% a menos de investimentos em capital de risco (venture capital) do que seus pares homens [11]. Esta lacuna é um obstáculo crítico ao empreendedorismo feminino e ao crescimento econômico mais amplo.A sobreposição das quatro lacunas apresentadas — remuneração, patrimônio, ocupação deposições de poder e acesso a capital — revela um desafio estrutural profundo que se estende além das barreiras individuais enfrentadas pelas mulheres.
Este complexo emaranhado de desigualdades não apenas limita a autonomia financeira e econômica das mulheres, mas também restringe sua capacidade de participar plenamente no desenvolvimento econômico e social. É um ciclo vicioso em que a ausência de mulheres em posições de poder contribui para a perpetuação de políticas e práticas que mantêm as desigualdades de gênero, enquanto as lacunas de remuneração e patrimônio dificultam a capacidade das mulheres de quebrar barreiras e ascender a essas posições de influência.
Nesse contexto, a lacuna de acesso a capital emerge não apenas como mais um obstáculo, mas como um ponto crítico que encapsula e intensifica as outras disparidades, atuando como um indicador-chave do desequilíbrio de poder econômico e uma barreira significativa ao progresso das mulheres.
O Acesso a Capital como Solução Estruturante
Expandir o acesso ao capital para mulheres tem o potencial de transformar radicalmente as economias, criando um ciclo virtuoso de crescimento e igualdade. Facilitar esse acesso permite às mulheres investir em educação, iniciar negócios, adquirir bens e serviços, gerando não apenas autonomia financeira, mas também contribuições significativas ao desenvolvimento socioeconômico global. A orientação de capital para mulheres, em larga escala e ritmo acelerado, é um vetor de transformação essencial para pavimentar o caminho para um futuro no qual o gênero não determina o acesso econômico e as oportunidades.
Referências Bibliográficas
[1] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Global Wage Report 2020–21: Wages and minimum wages in the time of COVID-19 . [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.ilo.org/sites/default/files/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcom m/@publ/documents/publication/wcms_762534.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2024.
[2] UN WOMEN. Women and men in the labour force. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://worlds-women-2020-data-undesa.hub.arcgis.com/apps/undesa::women-and-men-in-the-labour-force/about?path=>. Acesso em: 26 dez. 2024.
[3] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS (IBGE). Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102066_informativo.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2024.
[4] WORLD BANK GROUP. Women, Business and the Law 2024. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://openknowledge.worldbank.org/server/api/core/bitstreams/b339e2a7-ea65-4ed0-a471-d285ded8c4c7/content>. Acesso em: 26 dez. 2024.
[5] FIDELITY INTERNATIONAL. Fidelity Global Women & Money Study. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.fidelity.com.sg/articles/press-releases/2022-03-07-fidelity-global-women-money-study-financial-independence-closely-linked-with-active-investing-for-women-in-singapore-1650864020276>. Acesso em: 27 dez. 2024.
[6] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS (IBGE). Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2024.
[7] GRANT THORNTON. Women in Business 2024. Disponível em: https://www.grantthornton.com.br/globalassets/1.-member-firms/brazil/women-in-business/women-in-business-2024---grant-thornton.pdf. Acesso em: 27 dez. 2024.
[8] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf. Acesso em: 27 dez. 2024.
[9] TALENSES GROUP; INSPER. Panorama Mulheres 2023. São Paulo: TalensesGroup, 2023. Disponível em: https://publicacao.talensesgroup.com/report-panorama-mulheres-2023. Acesso em: 27 dez. 2024.
[10] ONU MULHERES. Cinco pontos para acelerar o empoderamento econômicodas mulheres. 2024. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/noticias/cinco-pontos-para-acelerar-o-empoderamento-economico-das-mulheres/. Acesso em: 27 dez. 2024.
[11] GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). GEM 2018/2019 Women's Entrepreneurship Report. Disponível em: https://www.gemconsortium.org/report/gem-20182019-womens-entrepreneurshipreport. Acesso em: 30 dez. 2024.
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